segunda-feira, 15 de março de 2010

Imunidade que vira impunidade

Partidos acusados de fraudes contábeis disputarão eleição sem pagar o que devem à Receita

Partidos que tiveram a imunidade tributária suspensa pela Receita Federal em 2007, acusados de irregularidades e fraudes contábeis, não pagaram ao Fisco um centavo da multa devida nem restituíram impostos que deixaram de recolher. Dos sete partidos autuados - PT, PSDB, PMDB, DEM, PR, PP e PTB -, seis já recorreram ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. Como os recursos têm efeito suspensivo, automaticamente fica sustada a cobrança das dívidas. Os partidos devem disputar a eleição de outubro sem qualquer punição.

O presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, observa que o julgamento dos recursos pode ficar para 2011. O conselho tem mais de 50 mil processos para analisar e, como essas ações teriam valor inferior a R$10 milhões, estariam fora da sua lista de prioridades.

A fiscalização da Receita foi iniciada na esteira do escândalo do mensalão do PT, em 2005, e concluída em 2007. Os auditores constataram o uso de notas frias e sonegação de impostos. Por isso, suspenderam a imunidade tributária das siglas, por um ou mais anos, baseados nas irregularidades identificadas entre 2002 a 2006.

A ação da Receita irritou os partidos. A reação veio em 2009, quando o Congresso aprovou lei proibindo o órgão federal de abrir processo de suspensão de imunidade antes que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desaprove as contas partidárias em caráter definitivo. O autor da emenda que inseriu a restrição foi o presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ). O objetivo é impedir perseguições, diz:

- Se não se estabelece freio, é um risco para a democracia. Hoje o governo é do Lula e a oposição é o DEM. Amanhã pode ser vice-versa.

Prestações de contas estão na fila do TSE

A medida dificultará a atuação da Receita. Como O GLOBO mostrou no mês passado, 90 prestações de contas partidárias estão na fila do TSE. Entre elas, as últimas oito prestações do PT - que agora enfrenta acusações de desvios para fins de caixa 2 contra seu novo secretário de Finanças, João Vaccari Neto - e seis do PSDB.

O TSE analisou e aprovou contas de cinco partidos em alguns anos que foram alvo da ação. É o caso de DEM (2002 a 2004), PSDB (2002 e 2003), PMDB (2002 e 2003), PP (2002 a 2004) e PR (2004). Nesses casos, do ponto de vista eleitoral não há mais o que fazer, diz a subprocuradora eleitoral Sandra Cureau:

- Acho muito difícil reabrir os processos, se o TSE já julgou. Existem prazos na lei.

O TSE diz que alguns julgamentos ocorreram antes que a Corte fosse avisada pela Receita das suspeitas de fraudes, e que aspectos que escapam à competência da Justiça Eleitoral podem levar à suspensão da imunidade. De qualquer forma, o TSE decidiu analisar a documentação.

O PMDB admite que deixou de recolher impostos devidamente ao pagar prestadores de serviço. Uma vez autuado, porém, diz que quitou os débitos e que teria regularizado sua situação junto ao Fisco, mas não escapou do processo. A Receita manteve a cobrança e o PMDB recorreu ao Carf. Por sua assessoria, a Receita informou que não se manifesta sobre as ações.

Partidos são acusados de usar notas frias

No caso do PT, a dívida propriamente dita seria de R$618 mil, valor que sobe para 1,3 milhão com multas e juros. O advogado Marcos Joaquim Gonçalves Alves diz que não há notas frias na contabilidade petista. Segundo ele, as acusações de caixa 2 e outras irregularidades do mensalão são objeto de ações específicas contra ex-dirigentes partidários.

No PSDB, o débito chegaria a R$7 milhões, segundo a assessoria do partido. As duas legendas negam qualquer irregularidade. O vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, acusa a Receita de perseguição e de agir com fins político-eleitorais:

Em outra frente, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar o uso de notas frias pelo PTB. A assessoria de imprensa petebista alega que "o PTB usou notas sem saber que eram inidôneas".

O PR divulgou que não se manifestaria por tratar-se de assunto sob sigilo fiscal. O DEM considera a autuação equivocada e espera ganhar o recurso no Carf.

Dos sete partidos autuados pela Receita, dois são de oposição. O PP é a única legenda que não recorreu ao Carf, pois seu processo permanece na Delegacia da Receita em Brasília. O PP afirma que cabe aos ex-dirigentes e não ao partido responder por irregularidades. O argumento é que parte do dinheiro não teria entrado na contabilidade oficial. A fiscalização analisou contas da gestão do ex-presidente Pedro Corrêa, deputado federal cassado em 2006, acusado de envolvimento no mensalão. Mas o presidente do PP, Francisco Dornelles, diz que irá à Justiça.

Fonte: Demétrio Weber / O Globo

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