Projeções apontam Partido Conservador como o vencedor, com 305 cadeiras. Número, porém, não garante a maioria e exigirá um governo de coalizão. Trabalhistas e liberais-democratas avaliam acordo
As 15 horas de votação não foram suficientes para o número de britânicos que fizeram questão de votar no pleito, um dos mais concorridos da história do Reino Unido. Nas urnas, os eleitores deram a vitória ao Partido Conservador, depois de 13 anos de governo trabalhista, mas não asseguraram a maioria no Parlamento. Westminster, aliás, vai enfrentar uma situação que não vivencia há 36 anos: um “parlamento enforcado”, que exigirá a formação de um governo de coalizão. Segundo projeções do grupo BBC/Sky/ITV News, 305 dos 650 assentos foram conquistados pelos “tories”, e apenas 255 pelos trabalhistas, que até então mantinham 345 cadeiras — um recuo de 26%.
O partido do atual primeiro-ministro, Gordon Brown, poderá, entretanto, terminar ficando no poder, caso consiga negociar um acordo com os liberais-democratas e outros partidos menores. Para isso, precisará chegar ao número “mágico” de 326 representantes, que caracteriza a maioria absoluta. A aparente euforia dos britânicos com o novato líder do Partido Liberal-Democrata, Nick Clegg, contudo, também não surtiu grande resultado nas urnas. As projeções indicam que, mesmo com brilhante desempenho de Clegg nos debates, os liberais-democratas perderam dois assentos, ficando com 61.
Diante do cenário desenhado ontem, fica clara a razão para os conservadores ainda não poderem declarar seu líder, David Cameron, como o novo premiê. Cameron, porém, espera contar com o apoio de partidos menores, como os unionistas da Irlanda do Norte, para governar, mesmo sem maioria absoluta. O chanceler britânico, David Miliband, um dos únicos trabalhistas a se pronunciar logo após as primeiras projeções, tentou não demonstrar decepção com o resultado. “Se nenhum partido conseguir a maioria, então nenhum partido tem o direito a monopolizar o poder”, disse, completando que isso mostra a vontade dos britânicos de que os “partidos conversem entre si”.
Mais confiante, o ministro do Interior e número dois do governo Brown, Peter Mandelson, confirmou, ontem à noite, que os trabalhistas estudam um acordo com o grupo de Clegg. “As regras preveem que, se houver um ‘hung parliament’, não é o partido com maior número de assentos que terá prioridade, mas aquele que estiver no poder”, disse, à BBC.
Participação em massa
O interesse da população, que ainda tenta se recuperar de uma das maiores crises econômicas de sua história, foi tanto que superou as expectativas dos organizadores do pleito em diversos distritos. Estima-se que mais de 70% dos 45 milhões de eleitores tenham comparecido às urnas durante todo o dia. Segundo a rede BBC, em muitas das 50 mil seções eleitorais, as filas ainda eram muito grandes às 22h (18h em Brasília), horário previsto para fecharem as urnas. Em Sheffield Hallam, distrito do liberal-democrata Nick Clegg, muitas pessoas esperaram mais de três horas em vão. O carismático Clegg chegou a ir pessoalmente a um dos postos eleitorais para se desculpar com aqueles que não conseguiram votar.
O liberal-democrata votou, mais cedo, acompanhado da esposa, Miriam González — que não participou do pleito por ser cidadã espanhola. Antes dele, um confiante Cameron chegou a um colégio eleitoral de Spelsbury (noroeste de Londres) com a mulher, Samantha, grávida de cinco meses. Já Brown, cuja imagem ficou bastante desgastada durante os poucos anos de governo e uma campanha desastrosa, votou na vila de North Queensferry, em Fife, na Escócia, onde fica seu distrito.
Tudo pela democracia
Veja algumas das curiosidades que marcaram as históricas eleições de ontem no Reino Unido:
Nas últimas cinco eleições britânicas, a maior participação foi em 1992, quando 77,7% dos eleitores em potencial compareceram às urnas, e o conservador John Major manteve-se à frente do governo. Em 1997, a participação caiu para 71,4% e, em 2001, para 59,4%. O último pleito, em 2005, contou com 61,4% dos possíveis eleitores.
Locais inusitados foram utilizados ontem como postos de votação em alguns dos 649 distritos eleitorais do Reino Unido. No vilarejo de Slad, no condado de
Gloucestershire (sudoeste do Reino Unido), o pub local concentrou a votação. Segundo a BBC, praticamente todos os 200 eleitores do vilarejo compareceram ao Woolpack Pub ontem — alguns, inclusive, aproveitaram para beber.
Em Christmas Common, no sul do Reino Unido, o Fox and Hounds Pub também emprestou suas instalações para o pleito. Já na localidade de Chettisham, Cambridgeshire (leste), uma cabeleireira de 61 anos ofereceu sua casa como posto de votação. Os eleitores preencheram as cédulas no quarto da casa.
Eleitores de 164 distritos do Reino Unido também votaram hoje para conselheiros locais, incluindo 32 municípios de Londres, e para 36 autoridades metropolitanas.
Em sua capa de ontem, o The Sun estampou uma foto do líder conservador, David Cameron, manipulada de forma a ficar idêntica à famosa imagem de Barack Obama durante as eleições americanas. Com a manchete “Nossa única esperança”, o tabloide traz, em seu editorial, os conservadores como a “única chance de resgatar a Grã-Bretanha de um desastre”.
O candidato trabalhista ao Parlamento Manish Sood, que, na última quarta-feira, chamou Gordon Brown de “o pior premiê” da história do Reino Unido, não foi ao distrito de North West Norfolk — onde concorre ao posto. Segundo o próprio candidato, ele “não tem nenhuma chance de ganhar” e o partido trabalhista o “renegou”. “Não tive o apoio que me foi prometido. Não tenho motivos para ir”, justificou.
Outro candidato trabalhista, Joe Benton, de 77 anos, não pôde votar nem comparecer à
sede do partido em Bootle, Merseyside (noroeste), para assistir à contagem dos votos. O motivo? O político teve a ponta de um dos dedos da mão mordida por um cachorro quando colocava um folder em uma caixa de correio, no último dia de campanha.
Polícia apura denúncias
Acusações de irregularidades na votação, como fraude e intimidação, causaram confusão em alguns dos 650 distritos eleitorais no Reino Unido durante todo o dia de ontem. Há suspeitas de fraude em votos pelos correios e nos registros de endereços de eleitores na região metropolitana de Manchester e até em diversos bairros de Londres, como o central Westminster. A Comissão Eleitoral britânica explicou que o grande número de denúncias não se deve a uma falta de organização do sistema de votação, mas, ao contrário, a uma eficácia no controle do pleito. A Scotland Yard (polícia do Reino Unido) assegurou que está investigando os casos.
Por volta das 10h (6h em Brasília), a polícia foi chamada à escola primária Ben Jonson, em Stepney (a leste da capital), para apurar denúncias de “intimidação”. Também na região de Tower Hamlets, onde fica Stepney, a polícia já investigava as acusações de que mais de 5 mil nomes de eleitores haviam sido adicionados às listas de votação, sem registro prévio. Segundo o jornal Daily Telegraph, só na Grande Londres foram mais de 20 ocorrências.
Em York (nordeste do Reino Unido), centenas de cédulas enviadas pelos correios foram extraviadas antes mesmo de chegarem aos eleitores. De acordo com o jornal The Guardian, o problema está sendo atribuído a um erro de impressão e a um fechamento temporário no escritório postal da localidade. John Taylor, o responsável do Partido Trabalhista por monitorar as eleições no distrito, disse que recebeu 20 ligações de pessoas que não tiveram acesso às cédulas. “Vamos investigar para descobrir o que deu errado, há queixas demais para ignorarmos. Se houver um resultado muito apertado, então cabe até um recurso contra o resultado”, afirmou.
“Todas as acusações de irregularidade recebidas serão apuradas, e se apropriado, serão intensamente investigadas em parceria com as agências responsáveis”, informou a Scotland Yard, por meio de nota. Para Peter Wardle, chefe da Comissão Eleitoral, as denúncias mostram que a fiscalização está atuando bem. “O número de acusações também tem de ser avaliado no contexto do número total de votos, que, nas eleições de 2005, foram de 27 milhões”, disse Wardle.
Susto e milagre
O avião que levava o candidato do Partido pela Independência do Reino Unido (UKIP) para a circunscrição de Buckingham, Nigel Farage, teve que fazer um pouso forçado no aeroporto de Northamptonshire, ao norte de Londres, após o início da votação. O eurocético Farage, 46 anos, ficou levemente ferido e foi levado ao hospital de Banbury. “Ele saiu do acidente ensanguentado. O piloto está em situação um pouco mais grave”, afirmou um porta-voz do partido à agência France-Presse. No hospital, o candidato disse que “tem sorte por estar vivo”.
Fonte: Correio Braziliense
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