Lúcio Flávio Pinto
Editor do Jornal Pessoal
Quando chegar à urna eletrônica, o eleitor poderá escolher um candidato com identidade, proposta e currículo honorável? Ou os nomes foram nivelados por baixo e estabeleceram seus acordos visando, acima de tudo, o interesse pessoal? Está difícil o voto consciente.
A eleição deste ano será a mais fisiológica no Pará desde que o povo voltou a eleger a principal autoridade pública do Estado, em 1982.
De 1971 até 1982 os governadores foram eleitos apenas pelos deputados estaduais. No retorno da votação direta e geral se uniram o último governador eleito, em 1965, o tenente-coronel Alacid Nunes, um dos militares que entraram na vida política com o golpe de 1964, e a maior liderança da oposição, o então deputado federal Jader Barbalho. Apesar dessa companhia contraditória, Jader se elegeu governador com uma boa imagem porque do outro lado estava a outra facção da política até então dominante, liderada pelo coronel Jarbas Passarinho.
O governo federal, chefiado pelo general João Batista Figueiredo (o último dos generais-presidentes), apoiou Passarinho, que disputava a reeleição para o Senado, e seu candidato ao governo, o empresário Oziel Carneiro. Já a máquina pública estadual foi colocada a serviço de Jader Barbalho, garantindo sua vitória por uma pequena diferença de votos. Jader se iniciara na política como vereador, 12 anos antes, sob o eco do baratismo, que mandou no Pará em boa parte das quatro décadas anteriores, sob a liderança do coronel Magalhães Barata. O pai de Jader, o ex-deputado estadual Laércio Barbalho, era um destacado baratista.
Mesmo com essa origem, o filho prometia inaugurar um tempo novo no Pará. Era da corrente dos “autênticos”, os mais à esquerda do então MDB, o partido da oposição consentida ao regime militar, do qual resultou o PMDB. Jader parecia disposto a fazer a vontade dos que queriam pôr um fim à era dos coronéis e abrir as portas do Pará à modernidade.
Logo se livrou de um deles, o tenente-coronel Alacid, aliado de ocasião, para apoiar o antigo inimigo, o coronel Passarinho, que ajudou a voltar ao Senado. Indo e vindo, recompondo ou rompendo, Jader Barbalho acabou por revelar o que era: um novo coronel, sem precisar de farda para se impor. Cativando parte expressiva da população com seu carisma, dispensou as armas para suplantar os coronéis fardados, que foram catapultados para o poder pelo regime militar. Desde a República Velha, nenhum político paraense foi tão forte quanto ele.
Suas inquestionáveis habilidades para fazer política e a simpatia do povo constituíram um capital notável. Com ele, Jader se tornou duas vezes governador e ministro, conquistou a presidência do Senado e bateu de frente com o mais terrível político nacional, o baiano Antônio Carlos Magalhães. Venceu-o, mas não levou o troféu. Jader superestimou sua força e subestimou suas fraquezas. A principal delas: a associação da sua fortuna pessoal a enriquecimento ilícito, à base do desvio de dinheiro público.
Hoje, individualmente, ele ainda é o político mais importante do Pará, mas a nódoa que estigmatiza sua imagem o impede de usufruir na plenitude essa condição e lhe impõe contrariedades. Seu índice de rejeição não o animou a concorrer ao governo do Estado e dessa maneira se tornar o único eleito três vezes pelo povo (Almir Gabriel, que voltou a ser seu surpreendente aliado, depois de duas décadas como inimigo figadal, tentou e não conseguiu realizar a façanha). Sua candidatura ao Senado, considerada a favorita, foi tisnada pelo pedido de impugnação formulado pelo Ministério Público Eleitoral no dia 10.
Essa iniciativa não impedirá que a candidatura de Jader se mantenha e que ele venha a ser votado e até eleito. A quantidade dos recursos previstos na lei processual e os prazos para as decisões transferirão por meses o pronunciamento final da justiça. Se depender das manifestações do Tribunal Superior Eleitoral, é provável que a impugnação do líder do PMDB seja mantida, assim como a do petista Paulo Rocha, também para o Senado, e de Luiz Afonso Sefer, do PP, para a Assembléia Legislativa. Todos renunciaram sob a ameaça de ter seus mandatos cassados por quebra do decoro parlamentar. Mas talvez não venha a ser o mesmo o entendimento do Supremo Tribunal Federal diante da argüição de inconstitucionalidade da chamada lei da ficha limpa, que procura afastar da corrida eleitoral políticos com passado desabonador.
A simples apresentação da impugnação pelo Ministério Público, porém, não causará desgastes aos candidatos? Não colocará em ação o mecanismo do voto útil, fazendo o eleitor desistir de votar em candidato ameaçado de afastamento da disputa por transgressão à lei, mesmo se eleito? Certamente este será um recurso de campanha dos adversários. Ainda assim, mais uma vez, no caso de Jader e Paulo Rocha, eles conseguirão compensar esse risco e o neutralizar, como fizeram num passado ainda tão recente?
O fato negativo, de qualquer maneira, existe e vai ter conseqüências. Porém, não é único: é mais um dentre vários fatores de desgaste do processo eleitoral no Pará. Não se tem notícia de governador que tenha ido para uma nova eleição (para eleger seu sucessor ou tentar a reeleição, conforme a possibilidade mais recente na vida pública nacional) com um índice de rejeição tão alto quanto Ana Júlia Carepa. Seu mau conceito experimentou ligeira melhora ultimamente, mas o grande empenho do caro marketing colocado ao seu serviço é fazê-lo ficar abaixo dos 50% nas sondagens que continuam a ser feitas.
Claro que até o dia da votação a situação poderá mudar, mas a estratégia tem que reconhecer essa fragilidade da candidata do PT para tentar evitar o desfecho insinuado pelas pesquisas. É o que pode explicar suas atitudes inconsistentes, sua falta de orientação e diretriz, sua insegurança. E também algo que mesmo entre protagonistas de currículo ruim precisa existir, mas que nela é uma ausência: a palavra, o compromisso. Depois de ter desgastado ao máximo sua relação com o PMDB, mais por omissão em relação à ação dos integrantes do seu grupo, que não controla, por falta de liderança real ou por conveniência, Ana Júlia Carepa tentou ressuscitar a aliança de uma forma primária, amadorística, diante de um jogador tão profissional quanto Jader Barbalho.
A governadora parecia consciente de que o acordo fora rompido e por isso saiu à cata de novos parceiros para encher o baú de legendas, o que acabou conseguindo, com 13 delas ao lado do PT. É uma maneira de fortalecer o seu nome e dar a impressão de ser apoiada por uma frente de partidos e ter a hegemonia, ao menos no plano institucional. Incluiu nesse balaio o seu maior adversário na eleição anterior, o prefeito de Belém, Duciomar Costa, cujo principal título no momento é o de ter rejeição ainda maior do que a de Ana Júlia (a medida pelo Ibope chegou a 73%). O acerto de gabinete foi rápido, à base de toma-lá-dá-cá de favores, compensações e brindes.
Mesmo para um PT cada vez mais fisiológico, no entanto, a mudança, além de súbita, foi radical demais. Provocou traumas internos e desencadeou a ameaça de cisões. Para tentar restabelecer a aparência de unidade, a governadora deixou de cumprir o compromisso com o PTB. De pronto, Duciomar mexeu numa pedra importante do jogo: apresentou a candidatura do empresário Fernando Yamada ao Senado.
Viu-se então o que parecia inimaginável em outros tempos, quando princípios e palavras não haviam sido tão desgastados e desprezados: o PT foi atrás dos partidos aliados para que aderissem à candidatura única ao Senado – no caso, do próprio PT, Paulo Rocha. Iludido pelo domínio dos penduricalhos do poder, o PT parece convencido de que pode substituir eleição por plebiscito, a maneira de manter-se no poder com um sofrível elenco de nomes.
Atento, Jader reagiu apresentando um verdadeiro “laranja” como o segundo candidato do PMDB ao Senado. Esse movimento se harmonizou com a atitude de Simão Jatene de fechar as portas do PSDB a Valéria Pires Franco, pré-candidata que ficou em segundo lugar na pesquisa do Ibope encomendada pelo seu partido, o DEM, dirigido pelo seu marido, o deputado federal Vic Pires Franco. Significaria que, se passar para o 2º turno, Jatene – e não Ana Júlia – será apoiado por Jader?
O PT renunciou à sua história e ingressou de vez na mixórdia que faz todos os partidos políticos patinarem na mesma lama. Buscam a vitória dos seus interesses sem a menor consideração pelo que representavam ou pela idéia que dele faziam – ou ainda fazem – os eleitores. O cidadão que comparecer à sua seção para exercer o “sagrado direito do voto” deverá se inspirar em alguma coisa que o motive, menos no futuro do Pará, que não estará em jogo na eleição de outubro.
Os candidatos que se apresentam agora ao eleitor embaralharam tudo para criar uma enorme ameba, indistinguível, indefinida, que tudo absorve e forma um organismo pegajoso, que não tem identidade nem proposta. Um retrato triste da representação política do Estado.
Fonte: O Estado do Tapajós
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